2020-11-12
Gonçalo Ribeiro Telles licenciou-se em Engenharia Agronómica e terminou o Curso Livre de Arquitetura Paisagista, no Instituto Superior de Agronomia. Professor Catedrático Convidado da Universidade de Évora, criou as licenciaturas em Arquitetura Paisagista e em Engenharia Biofísica. Com uma permanente intervenção pública e política desde os anos de 1950, foi Subsecretário de Estado do Ambiente nos I, II e III Governos Provisórios, Secretário de Estado do Ambiente no I Governo Constitucional e Ministro de Estado e da Qualidade de Vida no VIII Governo Constitucional. Foi ainda deputado à Assembleia da República, eleito em 1980, 1983, 1985. Criou as zonas protegidas da Reserva Agrícola Nacional, da Reserva Ecológica Nacional e lançou as bases do Plano Director Municipal. Em 1984 foi eleito vereador da Câmara Municipal de Lisboa. Posteriormente fundou o Movimento o Partido da Terra, de que é presidente honorário, desde 2007. Entre as suas obras mais emblemáticas destacam-se os jardins da Fundação Calouste Gulbenkian, projetados com António Viana Barreto, Prémio Valmor de 1975.
A sua vida tem sido marcada por um grande ativismo, ligado, entre outras causas, à defesa do ambiente e da qualidade de vida…
Não foi defesa do ambiente, eu não defendo coisa nenhuma. Eu sou construtor de ambientes. E como construtor do ambiente eu sou construtor e planeador da paisagem. Porque a paisagem é aquela parte que está mais interligada com o problema do uso do território, quer seja um uso do território extensivo, quer seja um uso pontual nesse extensivo, como por exemplo a cidade. Sem essa noção caímos sempre numa distorção, numa comparação entre cidade e campo, em que o campo é o parente pobre e a cidade é o parente rico. E quanto mais o parente pobre se parecer com o parente rico, mais certo parece estar. Portanto, tudo isto começa por um problema de planeamento do uso do território.
Porque é que a paisagem é tão importante para a qualidade de vida das pessoas?
A paisagem é a imagem do que as pessoas fazem no território, bem ou mal. Há paisagens que deslizam para aspetos negativos, como está a acontecer atualmente. O que nos coloca já uma questão: o que é que vocês pensam da florestação?
O que é que o senhor Professor pensa da florestação?
Quero saber o que é que vocês pensam, porque isto é um assunto muito sério. Todos os dias no jornal falam da florestação. E o que é a floresta? Floresta é uma palavra intelectual, que não tem tradução no nosso ordenamento do território. Todas as asneiras começam por aí. Chama-se floresta a um eucaliptal, como também se chama floresta a uma mata, sem fazer a distinção. Na língua portuguesa dantes não existia a palavra floresta, existia bosque e mata. E é por não se fazer essa distinção que se entra em campanhas, como a que agora há por aí, que é a eucaliptização, que só dá resposta a aspetos económicos imediatos. Qualquer coisa que se faça hoje tem de contrariar de frente a continuação do modelo de uso da terra que deu origem a este desastre do eucalipto.
E sente que o problema do uso da terra se está a agravar?
Concerteza! O que é que o eucaliptal representa em termos de organizações para as populações e para o futuro do território? Nada. Só representa aspetos negativos na recuperação futura das terras.
Acha que é possível inverter a situação?
Tem de se inverter, senão o problema é gravíssimo. Precisamos é de saber qual é a gravidade do aumento que se está a verificar da cultura extensiva do eucaliptal, relativamente a tudo quanto é a organização social e económica do espaço rural.
Parece-lhe que a extensão de monoculturas como o eucaliptal está a destruir aquilo que era a sociedade rural?
Não contribui para a criação da sociedade rural, nem do uso da terra de que o país necessita, numa área mediterrânica como é a nossa.
Porque é que acha que isso está a acontecer?
Porque é dinheiro imediato para determinado investimento, mas em que não se conhece depois o desenvolvimento futuro. Nem há ligação contínua da sociedade com o território, com a sua ocupação. Se forem a uma propriedade com nove ou dez mil hectares de eucaliptos, equivalente à área da cidade de Lisboa, que anteriormente tinha uma determinada população, biodiversidade e pastorícia, hoje o que é que aí têm? Estamos a transformar gradualmente o país, em nome de um progresso económico momentâneo.
Mas para as coisas sucederem de outra forma seria necessário fixar as pessoas, fazendo com que estas não abandonassem os territórios rurais.
Para as pessoas não abandonarem os territórios rurais é preciso acabar com a atual política a que se dá o nome de “florestação”. Ninguém no mundo rural está a viver de uma floresta artificial, quer seja o pinhal quer seja o eucaliptal.
Mas essa não é a única questão dos territórios rurais…
É a questão principal! É a questão de como é que se distribui o desenvolvimento urbano através do espaço, que geralmente é feito à custa do espaço rural, e como é que se desenvolve o espaço rural para dar resposta às necessidades da sociedade e à instalação da sociedade.
Que tem muitas dimensões…
Toda a florestação que se faz hoje é errada. É monoespecífica, é com base no eucalipto, com foco no lucro imediato. Estão-se borrifando totalmente para a instalação de população, para o povoamento. É o contrário do que fez a primeira dinastia. É a chamada da população para as áreas metropolitanas, para os círculos à volta das áreas metropolitanas, que depois só têm uma resposta para essa população que chega: a horticultura urbana. Mas isso não chega como organização do território do país.
Deveria haver uma aposta numa agricultura mais diversificada?
Não é mais diversificada, mas uma agricultura a sério! Um mundo rural com todos os atributos do mundo rural, em que as pessoas são fundamentais, a sua técnica e o seu profissionalismo, o desenho da paisagem, a criação de matéria orgânica e de solos orgânicos através do escalonamento em terraços, como foi sempre, e nunca um ato imediato de explorações monoespecíficas. Hoje a grande fronteira é essa e ou se ultrapassa essa fronteira ou está-se a contribuir para a devastação do país.
Os Parques Naturais que, aliás, penso terem sido criados quando assumiu funções governativas, são uma forma eficaz de procurar contrariar essa tendência?
Não são. Não são porque não foram entendidos como tal. Foram entendidos como reservas de conservação, quando a grande conservação da natureza do mediterrâneo, num país como o nosso, é a própria composição da agricultura. Não é o vazio, não é o abandono. É principalmente a manutenção dos sistemas de orla, que é uma das condições para a existência de um povoamento consentâneo do país. A orla é a relação entre a mata e o espaço aberto, que cria uma situação de defesa da mata, do seu interior, ao mesmo tempo que cria uma zona de proteção biológica à cultura agrícola. Tudo isso desapareceu e a única coisa que nos resta dessa composição tradicional do território são os socalcos, porque são de pedra e são necessários para as lavouras. Portanto, o problema de hoje é um problema de base, não é um problema de culturas.
É um problema de ordenamento?
É um problema de desenho da paisagem, mais do que de ordenamento. E somos todos nós que o fazemos, no nosso dia a dia, sobretudo quem trabalha a paisagem.
Por exemplo, no desenho da paisagem para a organização do nosso país foram fundamentais os socalcos. Mas os socalcos estão a ser deitados abaixo em nome da mecanização, sobretudo os socalcos abertos da região do oeste.
Acha que se devem preservar as condições tradicionais do território?
Não, não! Eu não quero as condições tradicionais. O que quero é, com base nas aptidões do território que levaram à criação dos usos tradicionais, que essa utilização seja melhorada, até pela mecanização, que é uma das formas de a melhorar.
O rural constrói-se, tal como o urbano. A terra constrói-se. A terra não está lá à nossa espera com todas as condições de fertilidade que se exigem. Nós é que temos de criar essas condições. Porque é que se armou o país em socalcos de pedra seca? Para criar solo.
A aptidão não nasce, a aptidão é criada pelo Homem a partir de elementos naturais. Mas isso requer tempo e uma sucessão de intervenções. E é preciso ter uma política para isso. O montado não é uma criação da natureza, é uma criação humana. Que contou, para a constituição do seu solo, com a queda da folhagem do sobreiro e da azinheira. Varrer o montado da folhagem não é gerir o montado. Fazer uma arroteia, em que se destrói essa camada permanente, é destruir o montado. E a cortiça não tem significado para a nossa economia?
Quando assumiu responsabilidades governativas sentiu que era possível inverter este caminho?
Senti, e por isso criei a RAN [Reserva Agrícola Nacional] e a REN [Reserva Ecológica Nacional], que ainda existem mas não são bem trabalhadas. A ideia, quando foram criadas, era aumentar a RAN, com base na REN, não era manter. Porque toda a evolução do uso da terra deve ser para criar maiores condições e aptidões para a produção.
Não é isso que tem acontecido?
Têm feito o contrário. Nos ministérios só se ouve dizer mal da RAN e da REN. São vistas como obstáculos ao crescimento imediato e ilimitado. Mas os nossos dirigentes são urbanos puros e perderam o sentido das coisas rurais. Os nossos governantes são completamente ignorantes e incompetentes nestas matérias. E querem o eucalipto porque é aquilo que mais dinheiro dá num curto intervalo de tempo, sem grande trabalho. É uma fábrica com um funcionamento baratíssimo.
Que papel cabe às organizações locais e à sociedade civil?
A sociedade civil, antes de mais, tem de ser informada. As escolas estão a fazer um mau trabalho porque não abrem o debate. O principal papel das escolas é abrir o debate, é a troca de ideias para ser criativa e não apresentar um modelo como se não houvesse outro.
Quando fala das escolas, refere-se à formação dos técnicos ou no papel das escolas na sensibilização da população?
É a mesma coisa, os técnicos são população, não são nenhum animal à parte. A população tem de ser preparada, tem de ser informada. E a competência ou incompetência técnica deriva muitas vezes da falta de preparação geral da população.
Com a crise económica e financeira, temos ouvido falar de cada vez mais pessoas que regressam à terra.
Mas regressam porquê, para quê, o que vão fazer e o que é que levam de novo? Poderá ser uma coisa boa se forem dispostos a aprender como é que funcionam os sistemas, muito ligados à vida, à natureza e ao local, ótimo. Se quiserem impor as suas conceções, como muitas vezes fazem, é um desastre.
Entrevista de Henrique Baltazar e Luís Chaves
Fotos de Luís Faustino
Publicada no Jornal Pessoas e Lugares Terceira série | N.º 10 | Março 2013
Terra Viva 2019A 3.ª edição do programa Terra Viva da Antena da TSF deu voz e ouvidos a 54 promotores e promotoras de projetos, beneficiários da Medida LEADER do PDR2020 através dos Grupos de Ação Local do Continente, entre os dias 3 de junho e 9 de julho de 2019. |
ELARD
A ELARD, constituída por redes nacionais de desenvolvimento rural, congrega Grupos de Ação Local gestores do LEADER/DLBC de 26 países europeus. A MINHA TERRA foi presidente da ELARD no biénio 2018-2019. |
54 Projetos LEADER 2014-2020 Repertório de projetos relevantes e replicáveis apoiados no âmbito da Medida 10 LEADER do Programa de Desenvolvimento Rural 2020 elaborado pela Federação Minha Terra. |
Cooperação LEADEREdição da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural e Federação Minha Terra, publicada no âmbito do projeto “Territórios em Rede II”, com o apoio do Programa para a Rede Rural Nacional. |
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3.ª Feira de Inovação Agrícola do Fundão |
2024-10-10 a 2024-10-13, Fundão |
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2024-10-24, Sociedade de Geografia de Lisboa |
O livro “Receitas e Sabores dos Territórios Rurais”, editado pela Federação Minha Terra, compila e ilustra 245 receitas da gastronomia local de 40 territórios rurais, do Entre Douro e Minho ao Algarve.
[ETAPA RACIONAL ER4WST V:MINHATERRA.PT.5]