Por Miguel Torres
De forma simplista podemos dizer que o LEADER é uma metodologia de trabalho assente em princípios que norteiam a intervenção., baseados em:
Estratégias locais de desenvolvimento por zona; Abordagem ascendente no que diz respeito à elaboração e execução de estratégias; Parcerias locais dos sectores público e privado: grupos de acção local; Acções integradas e multissectoriais; Inovação; Cooperação; Ligação em rede; tudo isto “embrulhado” num principio básico que é a autonomia.
Esta metodologia assente nestes princípios tem, ao longo dos últimos mais de 30 anos permitido sustentar intervenções de base local que, na maioria dos casos, transformaram a realidade dos territórios onde aconteceram. O movimento das Associações de Desenvolvimento Local, que tem desenhado e implementado estratégias locais a partir da comunidade e das fragilidades que esta identifica, tem sabido ao longo da sua história corresponder às expectativas que o próprio território concebe para si, numa lógica em que “os próprios actores do DL são os seus beneficiários, não havendo receita nem modelo que possa transitar de um processo a outro sem adequação ao contexto local”. [1]
Este modelo de coconstrução de soluções, e que é uma marca destas intervenções e particularmente do LEADER desde a sua génese, é um modelo de transformação. Transformação essa construída pelos próprios agentes do seu decurso sem importação de modelos, nem falsas ilusões “vendidas por vendedores de banhas da cobra”.
Vale a pena regressar aqui, a algumas referências nomeadamente sobre a importância da convivência do LEADER com outros “instrumentos de apoio à dinamização e diversificação da base económica, à promoção de projetos de caráter inovador potenciadores de novas culturas empresariais nos territórios rurais… com filosofias e vocação próxima à Abordagem LEADER atraíram os GAL/ADL para uma intervenção generalizada nos territórios rurais mais exigente e tendencialmente mais dispersa….Neste alargamento das frentes de intervenção socioeconómica e territorial, os GAL/ADL responderam presente! ao desafio das políticas públicas territoriais e setoriais – territorializadas dando resposta às necessidades de ancoragem espacial dessas políticas.”
Referiram-se alguns exercícios de avaliação destacaram “contributos relevantes na mobilização do potencial endógeno nos territórios de intervenção nas dimensões Socioeconómica; Sociocultural; Económico-territorial; Cooperação e Desenvolvimento de competências”
Ora, neste momento vivemos uma nova situação com o surgimento de novos actores relevantes, nomeadamente a afirmação do papel da Comunidades Intermunicipais e dos próprios municípios na implementação de políticas de desenvolvimento local. A forma como se processou a integração da abordagem LEADER nos instrumentos de programação para a Agricultura e o Desenvolvimento Rural (gerações ProDeR e PDR 2020) revelou-se uma transição complexa com a eliminação da lógica de subvenção e da sua gestão autónoma; …o processo burocrático e prolongado de acreditação e regulamentação e o recentramento do papel dos GAL em funções de gestão, condicionou o trabalho de animação territorial e a construção de respostas de proximidade;”
Ou seja, o modelo de governação adotado, pós IC LEADER inverteu a lógica inicial de construção a partir da base das soluções, para uma lógica “top-down”, com “normalização de processos e implicou uma tendência para a ‘funcionalização’ burocrática dos GAL, secundarizando a primeira e principal função das Equipas Técnicas Locais: a dinamização dos territórios.”
A dinamização/animação territorial instrumento fundamental de afirmação de processos de desenvolvimento está, pois, fruto deste processo de perda de recursos em claro risco.
A transição consagrada com a adoção do instrumento de Desenvolvimento Local de Base Comunitária (DLBC) revelou-se dececionante dados os constrangimentos induzidos ao nível da governação, da regulamentação/da heterogeneidade de orientações e práticas das autoridades de gestão dos diversos fundos estruturais. Goraram-se as expetativas geradas pela programação multifundos. Sendo cristalinamente claro que a complementaridade potencial que daí poderia decorrer para a eficácia de implementação das Estratégias de Desenvolvimento Local, ao nível dos seus resultados e efeitos, foi fortemente condicionada.
Será o LEADER pelo princípio de envolvimento do cidadão na construção das soluções, um problema para aqueles para quem a decisão a partir de cima é sempre mais fácil. O LEADER poderia ser utilizado como demonstração da importância da democracia participativa nas ferramentas de desenho e implementação de políticas públicas junto dos cidadãos. É este percurso, que agora se inverte.
Nos últimos tempos as políticas públicas tendem a desvalorizar o caracter multidisciplinar e multissectorial da intervenção das ADL/GAL, tentando cada vez mais confundir desenvolvimento local com desenvolvimento rural, numa tentativa de encostar as ADL/GAL aos fundos disponibilizados pelo Ministério da Agricultura, provenientes da PAC. Fica aliás esta opção muito clara quando o estado português faz uma opção pelo monofundo (FEADER) para o DLBC, em detrimento do multifundo (FEADER, FEDER, FSE) no quadro anterior.
As medidas que são desenhadas são-no com fraco envolvimento do GAL, resultando em operações pré-formatadas e desadequadas às necessidades do território. Os contributos (e alertas) dos GAL na fase de programação foram maioritariamente ignorados pelas Autoridades de Gestão (AG).
As estratégias acabam por ser condicionadas pelas medidas/operações pré-formatadas dos programas que oferecem pouca margem de manobra para definir estratégias devidamente adaptadas às necessidades e potencialidades dos seus territórios de intervenção.
O trabalho de mobilização dos actores locais e das populações e o levantamento das forças, oportunidades, fraquezas e ameaças são largamente ignorados e as expectativas criadas nos territórios, em certa medida, defraudadas.
Em muitos casos, os critérios de acesso e de selecção dos projectos a apoiar definidos na regulamentação acabam por se mostrar de difícil concretização, o que resulta em baixa procura e na necessidade de diversas reprogramações e ajustes em critérios de elegibilidade e taxas de apoio normalmente tardios.
Podemos afirmar com grande convicção que não existe nenhuma outra política pública em que a comunidade seja tão envolvida no seu desenho, implementação e avaliação, como o instrumento Desenvolvimento Local de Base Comunitário (DLBC) que enquadra a intervenção dos GAL. Desvalorizar isto é desperdiçar um capital de experiência que tem permitido uma profunda transformação dos territórios onde se tem aplicado.
52 parcerias territoriais apresentaram candidaturas e foram reconhecidas, representando mais de 3500 organizações e indivíduos, presentes em 94% do território nacional, que ao longo de vários meses participaram em centenas de sessões/debates locais/regionais sobre a construção da estratégia a adoptar em cada território.
Estratégias construídas tendo por base o quadro definido pelo Plano Estratégico para a Política Agrícola Comum 2023 – 2027 (PEPAC) e que contrariamente ao que era desejado pelos GAL e pelos territórios que representam, deixou de prever intervenções multifundo, para passar a ter unicamente financiamento FEADER (agrícola) tentando “empurrar” estas parcerias para intervenções exclusivas nesta área, em claro antagonismo com as orientações internacionais e as aprendizagens do programa e metodologia LEADER. Este é um dos grandes desafios que temos de enfrentar. Os nossos territórios de intervenção perdem, com a diminuição dos recursos, uma das ferramentas de maior proximidade que lhes está destinada.
Apesar disso, continuamos a acreditar no modelo que aplicamos há décadas, e continuamos a posicionarmo-nos como parceiros dos diferentes organismos do Estado, para garantir a todos o acesso às políticas públicas que se lhes destinam, ajudando a cumprir um dos fundamentais desígnios do estado democrático, cujo 50º aniversário acabámos de celebrar.
Permitam-me terminar com um agradecimento particular à equipa técnica do Monte. São eles quem dá a cara por esta estratégia e metodologia no território há 29 anos. São quem garante o acesso a todos os benificiários e quem, estando próximo do território ajuda a encontra as soluções que respondem à necessidades do território. É muito importante o papel dos órgãos sociais, mas sem estas equipas no terreno nada disto seria possível!
[1] Miguel Velez “Das experiências ao DL como alternativa em construção” in Desenvolver (Des)Envolvendo – reflexões e pistas para o Desenvolvimento Local ESDIME 1999
Intervenção de Miguel Torres, Presidente da Federação Minha Terra, na Sessão Plenária da Parceria Territorial do Grupo de Ação Local e comemoração do 20.º aniversário do MONTE ACE - 26 de junho de 2025, Évora.
Terra Viva 2019A 3.ª edição do programa Terra Viva da Antena da TSF deu voz e ouvidos a 54 promotores e promotoras de projetos, beneficiários da Medida LEADER do PDR2020 através dos Grupos de Ação Local do Continente, entre os dias 3 de junho e 9 de julho de 2019. |
ELARD
A ELARD, constituída por redes nacionais de desenvolvimento rural, congrega Grupos de Ação Local gestores do LEADER/DLBC de 26 países europeus. A MINHA TERRA foi presidente da ELARD no biénio 2018-2019. |
54 Projetos LEADER 2014-2020 Repertório de projetos relevantes e replicáveis apoiados no âmbito da Medida 10 LEADER do Programa de Desenvolvimento Rural 2020 elaborado pela Federação Minha Terra. |
Cooperação LEADEREdição da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural e Federação Minha Terra, publicada no âmbito do projeto “Territórios em Rede II”, com o apoio do Programa para a Rede Rural Nacional. |
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Iniciativa AgriJovem2025 |
2025-10-16 a 2025-10-19, Colégio do Espírito Santo, Universidade de Évora |
O livro “Receitas e Sabores dos Territórios Rurais”, editado pela Federação Minha Terra, compila e ilustra 245 receitas da gastronomia local de 40 territórios rurais, do Entre Douro e Minho ao Algarve.
[ETAPA RACIONAL ER4WST V:MINHATERRA.PT.5]