José Mota Alves

2021-07-16

Iniciativa "Desenvolvimento Local em Portugal - Uma História Contada na Primeira Pessoa" - Testemunho do Presidente da ATAHCA

Como surgiu o DL como quotidiano (missão, vocação, oportunidade)?

Antes do LEADER surgir, executou-se o PDAR para o Alto Cávado que envolveu 4 concelhos (Amares, Braga, Terras de Bouro e Vila Verde), onde foi demonstrada a necessidade de existir uma instituição que desse voz a um conjunto de necessidade identificadas pelos principais atores do território.

Para a elaboração deste documento foi criada uma equipa técnica que durante largos meses contactou com instituições, com empresários, agricultores, organizações corporativas e instituições públicas para ouvirem na primeira pessoa as preocupações e as propostas que cada um tinha para o desenvolvimento integrado do território,pensado sempre num período de médio prazo.

Após a elaboração deste documento, foi o mesmo colocado em discussão pública, para receber contributos até à produção do documento na versão final. No documento final foram prospectivadas estratégias que orientavam a ação coletiva e individual de modo a agregar interesse que permitissem dar dimensão e visibilidade a setores que mereciam ser reestruturados.

A agricultura, as instituições corporativas a necessidade de criar uma marca corporativa identitária para o território, a necessidade de fazer chegar a todos a informação em tempo útil, a necessidade de articular as diversas políticas públicas e privadas, o pensar o território como um todo, a internacionalização dos produtos de qualidade, a criação de um selo identitário do território para os produtos locais, a necessidade de produzir produtos com qualidade, a formação profissional, a rentabilização da terra como motor do desenvolvimento das freguesias que sofriam mais com o despovoamento. Todas estas necessidades associadas a propostas de intervenção fizeram com que o Desenvolvimento Local fosse pensado a cada “minuto”com a intenção de encontrar instrumentos que permitissem por em prática o que o PDAR para o Alto Cávado previa.

Nas propostas para muitas das necessidades identificadas foi apontada a necessidade de criação de uma associação de desenvolvimento local que agregasse entidades públicas, entidades privadas e pessoas singulares de reconhecida importância para o desenvolvimento integrado do território.

Foi a partir deste documento e logo após surgir o anúncio de possíveis apoios do LEADER para Portugal que nasceu a ATAHCA. Foi um punhado de autarcas, em nome individual, mais algumas instituições e pessoas singulares de diversas áreasprofissionais que deram corpo e fundaram a associação que fez a candidatura àIniciativa Comunitária Leader para o território do Alto Cávado.

Quais os principais contributos pessoais/organizacionais para o processo do DL em Portugal?

O Desenvolvimento Local em Portugal tem caminhado a diversas velocidades, dependendo dos atores políticos e dos organismos tutelares que vão tendo visões diferentes consoante o momento e composição política da ocasião. A falta de uma estratégia de Desenvolvimento Local nacional de médio e longo prazo, nunca inferior a 15 anos, inibe o desenvolvimento, execução e avaliação de ações que só após operíodo necessário de maturação deveriam ser revistas e aperfeiçoadas, evitando as ruturas permanentes que acontecem com as mudanças de “atores”.

A inexistência de contratos programas de médio e longo prazo entre o governo e as associações de desenvolvimento local, que têm implementado políticas de desenvolvimento rural e local integrado, leva a insegurança dos recursos técnicos, originando grandes rotatividades o que provoca constantes reinícios quando o que deveria acontecer era a continuidade crescente e permanente dos atores que estão diariamente no terreno. É necessário que o Desenvolvimento Rural e Local seja assumido pelos governos, com pactos políticos entre os diversos partidos para evitar que em qualquer circunstância de mudança de governo não se alteram as políticas implementadas.

O principal contributo das Associações de Desenvolvimento Local tem sido colocar o desenvolvimento rural na agenda política, mediando o papel entre o Estado e a população, numa lógica de proximidade, assente no modelo de definição da estratégica local de baixo para cima e na decisão local, que caraterizou a iniciativa LEADER. 

Qual o real valor dos princípios LEADER no seio do processo de Desenvolvimento?

A Iniciativa Comunitária LEADER trouxe a Portugal uma nova oportunidade e uma nova visão sobre meio rural. Trouxe-nos ensinamentos, permitiu a troca de experiência através da cooperação, sentou na mesma mesa diversos agentes locais, fez conciliações entre o público e o privado, construiu pontes de entendimento, aproximou pessoas, criou autoestimas, ajudou aencontrar identidades locais, permitiu definir uma estratégia comum de desenvolvimentoterritorial e pela primeira vez assistiu-se à descentralização de decisões que envolviam dinheiros públicos.

Esta inovação criou confiança entre as Associações de Desenvolvimento Local e a sociedade civil, criaram-se cumplicidade que ajudaram à implementação de políticas de outra maneira nunca seriam possíveis de por em prática.

A marca LEADER perdurará porque se construiu com a participação dos agentes locais e foidirigida para as pessoas.

Qual o seu testemunho de momentos significativos e marcantes e de memória mais especiais?

A Iniciativa Comunitária LEADER foi uma novidade, que provocou muitas expectativas junto das pessoas e instituições, primeiro pela descentralização da decisão e autonomia da Associações de Desenvolvimento Local, segundo pela proximidade e apoio de uma equipa técnica para apoiar, informar e aconselhar os potenciais promotores de projetos, terceiro pela tipologia de projetos que poderiam ser comparticipados. Para além destas novidades permitiu igualmente que as Associações de Desenvolvimento Local desenvolvessem e implementassem outras iniciativas complementares, que foram essenciais para a criação de novas atividades económicas evalorização da população, contribuindo assim para a melhoria da autoestima das pessoas ecriação de um olhar diferente sobre a aplicação dos dinheiros públicos.

A diversidade de medidas aplicadas no LEADER permitiu apoiar projetos marcantes noterritório, como a recuperação do património etnológico, o apoio às microempresas, o apoio a unidades de Turismo no Espaço Rural, o apoio ao artesanato, a valorização do património imaterial, o apoio a instituições da área social, o apoio a projetos agrícolas de pequena dimensão,a animação territorial. Esta medidas provocaram a necessidade de aparecimento de muitas outras que foram complementadas com outros projetos. As Comissões de Acompanhamento LEADER foram, também, importantes para partilha de informação entre as ADL, conhecer projetos diferentes, incentivar projetos de cooperação, contactar com novas realidades que ajudaram à reflexão interna e à disseminação de boas práticas.

A simplificação burocrática da Iniciativa Comunitária LEADER, criou confiança nos promotores de projetos pela simplicidade das candidaturas, pela celeridade nas decisões e pelo contacto fácil e rápido com as equipas técnicas dos Grupos de Ação Local. Esta simplificação foi-se alterando ecomeçou a ser cada vez mais burocrática até se nivelar com as piores práticas dos serviços públicos. Retirar autonomia aos Grupos de Ação Local e parametrizar modelos nacionais de formulários de candidatura, retiraram poder de decisão local e criaram novamente desconfiança nos promotores de projetos, porque estabelecem comparações com outros programas que têm deixado má memória pelo elevado nível de burocracia que lhe estão associados.

Influências e Inspirações ... que pessoas, ideias e momentos lhe ocorrem?

Nenhum projeto ou programa se desenvolve sem pessoas, sem o querer de cada um e sem a ambição de querer mais para partilhar e aglutinar esforço no sentido de fazer mais e melhor. A Iniciativa Comunitária LEADER foi tudo isso, foi um bom exemplo, foi uma boa prática, foi aquilo que as pessoas esperavam de uma nova abordagem com instituições com rosto, onde os seus técnicos e diretores eram pessoas com nome.

Fez-se diferente, criaram-se novas dinâmicas locais, sentarem em redor da mesma mesa pessoas e instituições com perfis bem diferentes, debateram-se ideias até à exaustão conseguindo-se convergências de interesse coletivo e territorial, criaram-se estratégias de intervenção participativa, fixaram-se horizontes, provocaram-se ruturas sem fazer “feridas”que marcassem desavenças, criaram-se novas confianças e levaram-se as pessoas e instituiçõesa acreditar que se poderia fazer diferente.

Mobilizar os principais atores locais, os lideres de comunidade formais e informais, o poder público e o interesse privado, foram dinâmicas de inspiração coletiva que envolveram pessoas com novas ideias e com interesse em concretizar projetos que alavancassem recursos necessários ao desenvolvimento rural integrado.

Tudo isto não teria sido possível sem pessoas disponível para o trabalho de missão, de entrega, e que acreditaram na possibilidade de fazer diferente, de pensar nas pessoas e no território que as acolhia mesmo que lentamente estivesse a definhar devido ao despovoamento acentuado que se assistia nas últimas décadas.

Na sua perspectiva, quais os marcos históricos que sinalizam a implementação do LEADER nos últimos 30 anos?

O encerramento da Iniciativa Comunitária LEADER em Braga colocou uma mariola definitiva, marcando o caminho, sobre as vantagens operadas durante esse curto espaço de tempo, entre oinício e o encerramento do primeiro ciclo deste programa, que serviu para a afirmação das Associação de Desenvolvimento Local, algumas “nascidas” recentemente, e demonstrou as largas vantagens de um programa como o LEADER para os territórios rurais. Existia uma corrente que afirmava que as Associações de Desenvolvimento Local (ADL) eram apenas para implementar este programa experimental e que depois se extinguiriam, mas tal não veio a acontecer, pelo contrário aumentaram e reforçaram a cobertura territorial com a segunda fase e seguintes do LEADER e afirmaram-se como instituições imprescindíveis para a implementação das políticas de desenvolvimento rural em Portugal. No início a Iniciativa Comunitária LEADER em Portugal iniciou com 17 ADL tendo sido acrescidas mais 3 logo após a primeiro ano de funcionamento, tendo sido 20 as concluíram a primeira fase desta iniciativa comunitária.

Os territórios rurais onde existiu intervenção LEADER, desde 1991, passaram a ser diferentes, os que vieram a seguir sofreram, também, mutações que marcaram a vida de muitos residentes e deixaram uma marca que perdurará durante muitas décadas.

Existiram pessoas, deste o primeiro gestor da Iniciativa Comunitária LEADER, aos coordenadores e equipa técnica local dos Grupos de Ação Local, às Associações que deram corpo e forma institucional, aos agentes locais e à população como beneficiários diretos que acreditaram que era possível descentralizar para a sociedade civil a gestão de dinheiros públicos, com resultados que surpreenderam os crentes e os descrentes.

Portugal e a Europa desperdiçam recursos e experiências que deveriam merecer uma atenção diferenciadora, porque quando um objetivo é alcançado e os resultados são cumpridos ou superam o inicialmente previsto é sinal que o caminho está aberto para a obtenção de impactes que modificarão em definitivo o rumo traçado por uns quantos que acreditam ou acreditaram que era possível. As várias gerações do LEADER foram sofrendo com a perda de autonomia dos atores locais, porque a motivação centralizadora carreou o poder de decisão convencida que poderia perder influência ou que os atores locais não seriam tão capazes quanto o seriam os responsáveis tutelares.

Nestes 30 anos que Pessoas o inspiraram, o marcaram e que deseje referenciar?

Como Gestor Nacional do LEADER, proponho que o Eng. Manuel Goulart Carrinho seja uma das pessoas a homenagear pelo trabalho e defesa da iniciativa LEADER, pela defesa das Associações de Desenvolvimento Local, pela visão que manifestou na importância das decisões serem locais e na participação dos agentes locais em todo o processo de desenvolvimento local. O Eng. Manuel Goulart Carrinho faleceu ao serviço do LEADER, quando participava e discursava, na cerimónia de creditação das ADL para a implementação do LEADER II.

Como Coordenador da Equipa Técnica Local do LEADER proponho o nome do Dr. Francisco Botelho seja uma das pessoas a homenagear pelo trabalho e defesa das Associações de Desenvolvimento Local, pelo desempenho e dedicação que durante anos exerceu junto do território da zona de intervenção da PROBASTO, pelo incentivo que sempre manifestou junto dos seus pares motivando para o trabalho mesmo em momento de menos ânimo. O Eng Francisco Botelho para além de coordenador da ETL da PROBASTO, exerceu outras funções noutras organizações que contribuíram para a visibilidade do LEADER e das ADL.


Terra Viva 2019


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A 3.ª edição do programa Terra Viva da Antena da TSF deu voz e ouvidos a 54 promotores e promotoras de projetos, beneficiários da Medida LEADER do PDR2020 através dos Grupos de Ação Local do Continente, entre os dias 3 de junho e 9 de julho de 2019.

ELARD

 

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A ELARD, constituída por redes nacionais de desenvolvimento rural, congrega Grupos de Ação Local gestores do LEADER/DLBC de 26 países europeus. A MINHA TERRA foi presidente da ELARD no biénio 2018-2019.

54 Projetos LEADER 2014-2020

 
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Repertório de projetos relevantes e replicáveis apoiados no âmbito da Medida 10 LEADER do Programa de Desenvolvimento Rural 2020 elaborado pela Federação Minha Terra.

Cooperação LEADER


Edição da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural e Federação Minha Terra, publicada no âmbito do projeto “Territórios em Rede II”, com o apoio do Programa para a Rede Rural Nacional.





[ETAPA RACIONAL ER4WST V:MINHATERRA.PT.5]