30 anos de LEADER: Testemunho de António Oliveira das Neves

2022-04-21

Iniciativa "Desenvolvimento Local em Portugal - Uma História Contada na Primeira Pessoa"

Testemunho de António Oliveira das Neves, perito em avaliação de programas e políticas públicas

Este testemunho tem duas vertentes umbilicalmente ligadas: a vertente pessoal, de aprendizagem e de memórias de Pessoas que deram expressão viva aos Princípios do LEADER em Portugal; e vertente profissional, de análise e perspectivas de intervenção para os territórios rurais que sempre norteou o trabalho técnico desenvolvido para inúmeras instituições, de avaliação e programação da Abordagem LEADER. Nesta segunda vertente, recupera-se os principais conteúdos da conferência apresentada em Ponte de Lima no evento que comemorou os 30 anos do Programa nonosso País.

A minha relação com o LEADER começa por ser profissional enquanto coordenador da Avaliação Intercalar, Contínua e Final do Programa Iniciativa Comunitária LEADER II no âmbito de um contrato da Direção Geral do Desenvolvimento Rural que atribuiu ao IESE (em consórcio com a Geoideia) a responsabilidade por essa Avaliação a qual decorreu entre 1997 e 2001.

À época (há quase 25 anos), a experiência de avaliação de instrumentos de política era escassa em Portugal e esse trabalho representava, desde logo, um processo de aprendizagem no desenvolvimento de componentes metodológicas, tanto métodos de recolha e processamento de informação, como de mobilização cruzada de competências de investigação, de conhecimento de realidades socioeconómicas, de dinâmicas territoriais sistémicas e de modelos de gestão operacional e de governação institucional.

Ou seja, para quem tateava ao encontro de soluções metodológicas em resposta aos desafios da Avaliação de um instrumento de política de desenvolvimento rural-local em afirmação, o caldo de cultura, de processos de trabalho e de intervenção territorial do LEADER revelaram-se um poderoso contributo para estruturar um percurso institucional e técnico-profissional no domínio da Avaliação de programas e políticas publicas que mereceu reconhecimento de instâncias da Comissão Europeia,organismos públicos de várias tutelas sectoriais, agências e associações dedesenvolvimento regional e local, e parceiros de consultoria internacional.

Justo é destacar que, enquanto avaliadores externos, encontramos no sistema de atores do LEADER (gestão nacional, direções regionais de agricultura, GAL e coordenadores das equipas técnicas locais). Pessoas que encaravam a Avaliação como uma oportunidade para refletir e questionar práticas, partilhar experiências, adotar novos procedimentos. E também encontrar no exercício avaliativo outro patamar de partenariado. Desse ponto de vista, e num registo pessoal, foi gratificante ter tomado contacto, em várias ocasiões e sob diferentes formas, e aprendido com Manuel Goulart Carrinho, Nuno Jordão, Rosário Serafim, Francisco Botelho e Pedro Dornellas, verdadeiros obreiros da mensagem e espírito do Programa. Também com a Isabel Margarida André que ao longo daqueles quase quatro anos partilhou comigo a coordenação da Equipa de Avaliação. Que descansem em Paz!

Intróito

> Reflexões que vão beber a duas fontes principais:
(i) Trabalhos de avaliação da IC LEADER II, LEADER+ e Abordagem LEADER no ProDeR e colaboração com a Minha Terra (2013-2014)
(ii) Leituras recentes de textos de balanço.

> Constatação de fundo: o movimento dos GAL revelou (e suscitou) uma especial capacidade para problematizar/refletir sobre a sua intervenção.

> Quadro de referência para a palestra neste evento

• Panorama dos territórios – entre as insatisfações várias e uma nova situação de partida,
• Reflexão acerca das condições objetivas atuais e as problemáticas dos territórios de intervenção dos GAL – entre riscos e oportunidades de um novo contexto, mobilizar conhecimento/visão estratégica e alianças para influenciar a mudança.
Em síntese: traços-chave do que nos trouxe até aqui e enunciado de prioridades d eintervenção e de pressupostos a reunir.

30 anos do LEADER - dimensões de uma herança em construção permanente

LEADER, 30 ANOS – 5 GERAÇÕES

> IC LEADER I (1991-1993) – 20 GAL
> IC LEADER II (1994-1999) – 48 GAL
> IC LEADER+ (2000-2006) – 52 GAL
> Abordagem LEADER integrada nos PDR (2007-2013) – 53 GAL
> Abordagem LEADER integrada no conceito DLBC – Desenvolvimento Local de Base Comunitária (2014 -2020) alargada aos territórios urbanos e litorais/costeiros - 60 GAL

INSTRUMENTOS DE PROGRAMAÇÃO E FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO RURAL-LOCAL

As primeiras gerações da Abordagem LEADER “conviveram” com a programação, gestão e execução de importantes instrumentos de apoio ao Desenvolvimento Rural-Local de vocação diversa:

- [PPDR (1994-1999); Programa Ruris (2000-2006); Medida AGRIS dos PO Regionais (2000-2006); AIBT Pinhal Interior (Medida do PO Centro 2000-2006) - o Programadas Aldeias de Xisto constituiu uma das principais Linhas de Ação da AIBT);PEDIZA II - Eixo do POR Alentejo 2000-2006; Programa Now e Iniciativa Comunitária EQUAL; e ILE - Iniciativas Locais de Emprego].

- Instrumentos de apoio à dinamização e diversificação da base económica, à promoção de projetos de caráter inovador potenciadores de novas culturas empresariais nos territórios rurais e que contaram com a dinamização dasADL/GAL.

> Em tempo: num contexto em que as políticas do território (desenvolvimento rural, desenvolvimento local, criação de emprego, inclusão ativa, inovação social, ...) ganharam espaço na agenda das escolhas publicas, os GAL marcaram presença:

- de iniciativa de projeto, de organização e gestão de recursos, contribuindo para resultados e impactos dos diferentes instrumentos de política com dinâmicas organizacionais próprias e de parceria muito heterogéneas; e

- de mobilização de instrumentos e recursos de financiamento de outros fundos,acrescentando ao FEADER, os fundos FEDER e o FSE com expressão e vocações diferentes.

> Instrumentos com filosofias e vocação próxima à Abordagem LEADER “atraíram” os GAL/ADL para uma intervenção generalizada nos territórios rurais mais exigente e tendencialmente mais dispersa (em termos temáticos, de competências a reunir, comdiversidade de interlocutores nacionais e regionais).

>Neste alargamento das frentes de intervenção socioeconómica e territorial, os GAL responderam presente! ao desafio das politicas públicas territoriais e setoriais–territorializadas dando resposta às necessidades de ancoragem espacial dessas políticas. Todavia, não se terão interrogado sobre as consequências em termos organizacionais, de mobilização/afetação de competências, e de alianças estratégicas.

ELEMENTOS DE BALANÇO DA ABORDAGEM LEADER

[Exercícios de Avaliação das IC LEADER e da Abordagem LEADER nos PDR, destacaram contributos relevantes na mobilização do potencial endógeno nos territórios de intervenção, nomeadamente nas seguintes dimensões]:

Ø Dimensão Socioeconómica: Criação de emprego; Desenvolvimento do complexo de atividades do turismo e lazer; Aumento da acessibilidade a serviços básicos; Melhoria da densidade do tecido económico local; e Melhoria da qualidade de vida.

Ø Dimensão Sociocultural: Valorização do património rural; e Aumento da atratividade económica e social do território.

Ø Dimensão Económico-territorial: Fixação da população nos territórios rurais;Transformação dos recursos endógenos em fatores de competitividade; Aumento da atratividade do território; e Potenciação do fatores de identidade.

Ø Cooperação entre agentes económicos, poderes públicos e sociedade civil, com componentes transnacionais de que beneficiaram, por exemplo, os PALOP.

Ø Desenvolvimento de competências [Nunca é demais recordar o papel das iniciativasde formação de jovens agentes de desenvolvimento em regiões de emigração (JADE,1987/89) e de formação de técnicos de desenvolvimento e promotores de formação (IDARC, 1992/93), com relevante contributo para a estruturação técnica dos GAL].

Condicionantes de intervenção territorial

(A) ENVOLVENTE DAS ORGANIZAÇÕES E DOS TERRITÓRIOS

> Fragilização gradual das capacidades de intervenção nos territórios (com desperdício de aprendizagens), redução acentuada da riqueza das parcerias,sobretudo, em domínios temáticos mais exigentes para dinamizar processos de inovação potenciadores do aproveitamento de recursos e de oportunidades de mercado que exigem a estruturação de serviços e de redes de operadores ligando territórios, em novas parcerias de projeto e iniciativa.

> Desvitalização gradual das competências técnicas dos GAL, em campos deintervenção específicos nos territórios, e do seu protagonismo institucional, num contexto em que o reforço pontual das parcerias funcionou mais a nível formal e escassamente em favor da robustez das capacidades de projeto e iniciativa económico-territorial.

(B) ENVOLVENTE DOS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA

> A integração da abordagem LEADER nos instrumentos de programação para aAgricultura e o Desenvolvimento Rural (gerações ProDeR e PDR 2020) revelou-se umatransição complexa com a eliminação da lógica de subvenção e da sua gestão autónoma.

>A adoção de um processo burocrático e prolongado de acreditação e regulamentaçãoe o recentramento do papel dos GAL em funções de gestão, condicionou trabalho de animação territorial e construção de respostas de proximidade com base nas parcerias e trabalho em rede.

>No essencial, o modelo de governação adotado pós IC LEADER assentou numa lógica “top-down”, com normalização de processos e procedimentos consagrados pela regulamentação das Medidas, implicou uma tendência para a ‘funcionalização’burocrática dos GAL, secundarizando a primeira e principal função das Equipas Técnicas Locais: a dinamização dos territórios.

> A transição consagrada no quadro do Acordo de Parceria 2014-2020, com a adoção do instrumento de Desenvolvimento Local de Base Comunitária (DLBC) revelou-se dececionante dados os constrangimentos induzidos ao nível da governação, da regulamentação/da heterogeneidade de orientações e práticas das autoridades de gestão dos diversos fundos estruturais, gorando as expetativas geradas pelaprogramação multifundos.

>A complementaridade potencial que daí poderia decorrer para a eficácia de implementação das Estratégias de Desenvolvimento Local, ao nível dos seus resultados e efeitos, foi fortemente condicionada.

Desafios para o território e o movimento do desenvolvimento local

C1 - UMA NOVA SITUAÇÃO DE PARTIDA

>A trajetória sucintamente observada é contemporânea e interage com vários processos de mudança que tiveram incidência nos territórios rurais e em domínios colaterais da intervenção LEADER, p. ex., a afirmação do papel das CIM e dos municípios no desenvolvimento local.

>O reforço da dotação de recursos de Municípios e CIM (com frequente mobilização de recursos técnicos e humanos dos GAL), debilitou a capacidade de intervenção destes em muitos territórios.

>A emergência de Centros de Competência, Grupos Operacionais, Laboratórios Colaborativos, proporciona uma oferta de serviços com interesse potencial para produtores e outros agentes dos territórios rurais e estabelece novos desafios (sistemas alimentares locais,…).

LINHAS GERAIS DO ACORDO DE PARCERIA DO PORTUGAL 2030 (REFERÊNCIAS AOS GAL)

Novo instrumento: Parcerias para a Coesão (da iniciativa das CCDR/AG), centralizadas na articulação de abordagens supramunicipais (…) ações de parceria entre atores e territórios, procurando incentivar abordagens inovadoras e o reforço da capacitação de atores e territórios para a ação, com o eventual envolvimento dos GAL; [Retomar PROVERE, com menos intervenção pública e outros tomadores territoriais?]

Papel das ADL/GAL: mobilizar a rede e valorizar o conhecimento territorial das ADL/GAL, nomeadamente na dinamização de projetos de promoção de produtos ou recursos locais, de promoção do território e da ativação da procura por parte de empreendedores locais ou como parceiros privilegiados das parcerias para acoesão (em função da temática);

>(A propósito das iniciativas de desenvolvimento das comunidades costeiras -FEAMPA)… pretende-se promover 2 tipologias de ação no âmbito dos apoios a conceder:

  • Apoio à preparação, ao funcionamento e animação das Estratégias de Desenvolvimento Local; e
  • Execução da Estratégia de Desenvolvimento Local (EDL) de cada Grupo de Ação Local.

> [OP 5: Objetivo Específico 5.2 - Promover o desenvolvimento económico, social eambiental integrado (…) nas zonas não urbanas... aqui vai residir a abordagem rural/urbana, a intervenção "não urbana" que o FEADER não sente como sua.]

C2 - CAPACITAÇÃO PARA UM NOVO CICLO DE POLITICAS

[Ferramentas de sempre para enfrentar os novos desafios dos territórios e do movimento de desenvolvimento local]

Os instrumentos de planeamento estratégico do desenvolvimento são indispensáveis para suportar as intervenções nos contextos territoriais concretos e devem ser focados e seletivos em termos temáticos e ajustados/potenciando os recursos e as capacidades de iniciativa de diversa índole mobilizáveis nos territórios;

A integração de instrumentos de desenvolvimento territorial é decisiva e, se deve ser estimulada pelos responsáveis pela programação a nível regional, deve também assumir-se como uma escolha realista, de modo a gerar efetivas mais valias nos territórios;

O valor da proximidade territorial e relacional tem de ser fertilizado pelo conhecimento que está a ser criado nas Instituições de Ensino Superior, nas Unidades de I&D, nos centros de competência sectoriais que podem enriquecer as cadeias de valor dos territórios, combinando a renovação dos sistemas produtivos, a integração em redes e mercados que remunerem as variáveis/requisitos emergentes (p. ex., qualidade e segurança alimentar, sequestro de carbono e créditos verdes);

A capacitação das ADL e das equipas técnicas dos GAL constitui um desafio permanente e deve merecer investimento renovado para dotar de eficácia e eficiência o trabalho de animação socioeconómica territorial e de qualificação do sserviços prestados aos agentes dos territórios rurais e às populações,posicionando as ADL/GAL como aliados proativos das políticas públicas sectoriais e horizontais nos territórios;

A capacidade de apropriar inteligentemente (leia-se, proativamente) as orientações da Comissão Europeia que tem marcado a diferença ao logo das sucessivas gerações da abordagem Leader, pese embora a experiência portuguesas e revelar predatória das oportunidades criadas aos territórios pela programação das políticas de coesão e de desenvolvimento rural.

C3 - INICIATIVAS DA COMISSÃO EUROPEIA - OPORTUNIDADES PARA NOVO IMPULSO?

(a) Momentos de balanço (Declaração de Cork 2.0)“Cork+2.0: não podemos deixar as zonas rurais para trás!” - proclamação e ação contra o declínio das zonas rurais na Conferência organizada pelo Comité Económico e Social Europeu e pelo Comité das Regiões (2016).

Da reivindicação de um equilíbrio mais justo entre zonas rurais e zonas urbanas (1ª declaração de Cork, 1996) ao reconhecimento de que as zonas rurais têm vindo a ser preteridas:

  • Ausência de investimento nas infraestruturas e de estímulos ao crescimento económico e à criação de emprego nas zonas rurais;
  • Ausência de perspetivas leva os jovens a abandonar as zonas rurais, antecipando o principio do fim destas;
  • Insuficiência do Orçamento Europeu afeto ao Desenvolvimento Rural, com decréscimo face ao período de programação anterior (de 32% para 21,3%);
  • Objetivos da 1ª Declaração de Cork não foram atingidos e os financiamentos para as zonas rurais tem vindo a diminuir e a desigualdade a crescer.

(b) Pacto Rural e Plano de Ação para Zonas Rurais , iniciativa recente da Comissão Europeia que identifica quatro ideias-chave/domínios de ação:

  • Mais fortes – objetivo centrado no “empowerment” das comunidades rurais, no acesso a serviços e na dinamização da inovação social;
  • Ligadas - objetivo orientado para a melhoria de conectividade, tanto em termos de transportes como de acesso digital;
  • Resilientes - objetivo visando a conservação dos recursos naturais e uma agricultura ecológica, para contrariar as alterações climáticas e favorecer a resiliência social, mediante a oferta de cursos de formação e de diversas oportunidades de emprego de qualidade;
  • Prósperas - objetivo norteado pela diversificação das atividades económicas e pela melhoria do valor acrescentado da agricultura, das atividades agroalimentares edo agroturismo

(c) Releitura e apropriação destes domínios de ação na ótica dos interesses dos territórios pois eles procuram responder à complexidade das mudanças em curso nas quais convergem:

  • incertezas associadas às alterações climáticas que anunciam impactos nos territórios rurais (reconversão das produções como as conhecemos atualmente, novos padrões de povoamento, …);
  • novos modos de organização de recursos, de atividades, de relação entre pessoas/organizações/territórios; e
  • formatos inovadores de construção e (re)composição de cadeias de valor de produções e serviços.

Na transição para uma nova etapa
A experiência acumulada do movimento de desenvolvimento local,
a sua resiliência, a sua capacidade de (re)criar relações e parcerias e de dinamizar e capacitar a ação coletiva, constituem um argumento invejável
para responder a velhos e novos desafios!


Terra Viva 2019


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A 3.ª edição do programa Terra Viva da Antena da TSF deu voz e ouvidos a 54 promotores e promotoras de projetos, beneficiários da Medida LEADER do PDR2020 através dos Grupos de Ação Local do Continente, entre os dias 3 de junho e 9 de julho de 2019.

ELARD

 

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A ELARD, constituída por redes nacionais de desenvolvimento rural, congrega Grupos de Ação Local gestores do LEADER/DLBC de 26 países europeus. A MINHA TERRA foi presidente da ELARD no biénio 2018-2019.

54 Projetos LEADER 2014-2020

 
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Repertório de projetos relevantes e replicáveis apoiados no âmbito da Medida 10 LEADER do Programa de Desenvolvimento Rural 2020 elaborado pela Federação Minha Terra.

Cooperação LEADER


Edição da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural e Federação Minha Terra, publicada no âmbito do projeto “Territórios em Rede II”, com o apoio do Programa para a Rede Rural Nacional.





[ETAPA RACIONAL ER4WST V:MINHATERRA.PT.5]